quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

BICHINHOS CARPINTEIROS – conto à desgarrada I

  • A culpa é deles, mãe, é deles! Dos bichinhos carpinteiros!

  • Eu digo-te os bichinhos carpinteiros, João, digo, digo...

Era nesta altura que João saltava da beira da mãe e corria a velocidade cruzeiro. Ninguém acreditava nele mas aquilo que aos olhos dos outros eram asneiras e disparates era obra e graça dos bichinhos carpinteiros que habitavam o seu corpo, todas as partes do seu corpo. Verdadeiros exércitos de bichinhos carpinteiros que estavam ali, frente aos seus olhos, nas suas mãos, mais precisamente nas pontas dos seus dedos, nos seus pés, na cabeça, nos braços, nas pernas, enfim, por todo o lado. Os bichinhos carpinteiros acordavam e adormeciam com ele, partilhavam sorrisos e angústias, confidências e cumplicidades. Já nem imagina a sua vida sem eles. O grande problema era que mais ninguém os via. Só o João. Por mais que explicasse, por mais que insistisse que eles estavam ali ninguém acreditava. Em casa, os pais viam os bichinhos carpinteiros como uma desculpa, na escola a professora aconselhava a procurar ajuda especializada, porque achava que o João era hiperativo e os amigos chamavam-lhe o "inventor de histórias" ou o "chaladinho".


Por isso, quando os bichinhos carpinteiros falavam, ele assobiava, tentanto com o seu sopro levá-los para longe. Era aí que eles recorriam ao truz, truz, mesmo em cima da sua cabeça. Acontecia-lhe sobretudo em momentos delicados. Por exemplo durante a prova de português, naquela parte da composição e a professora Luísa achava que aquilo era a maneira dele fugir às tarefas que não gostava. Em casa, os bichinhos carpinteiros chegavam quando na hora das tarefas: pôr a mesa, fazer os TPC, lavar a loiça ou na hora de dormir.


Naquela tarde, a mãe tinha-se zangado à séria com o João. Tinha-lhe pedido para arrumar o quarto e fechar as janelas porque o tempo ameaçava chover mas o convite dos bichinhos carpinteiros tinha sido mais tentador: uma corrida de barreiras com as galinhas lá da casa. Ora o resultado foi o esperado: animação total no galinheiro e um cenário de devastação. A vizinha Rosa tinha estranhado. Mas para ela o João era a animação lá da terra. O João e os seus bichinhos carpinteiros. A história tinha começado a circular e já andava na boca do povo, como se costuma dizer.


A mãe tinha chegado ao limite.


  • É desta, João. É desta que te levo ao doutor Hilário e te interno. E olha que falo a sério! Peço para reservar uma ala do hospital só para ti , para ti e para o teu exército de bichinhos carpinteiros.


Deixa lá, Teresa – dizia a vizinha Rosa – o miúdo tem de ter os seus amigos, mesmo que imaginários. E se ele os vê...


Teresa, ficou de boca aberta a olhar para Rosa. E pensou com os seus botões, e a "doença" do filho seria contagiosa.


No dia seguinte...


Paula Machado

Um comentário:

  1. No dia seguinte, quando Teresa ia acordar João, o menino não estava. A cama intacta. De João, nem sinal. Esperem: em cima da cómoda, um bilhete com a letra infantil de João, chamou a atenção da mãe.

    - Mãe fui embora com os bichinhos carpinteiros. Não fiques triste, nem me procures. Eu não posso deixar que os tranquem no hospital do Dr. Hilário.

    Teresa ficou petrificada. De repente o silêncio da casa sem João entrou pelos seus ouvidos adentro e as lágrimas desataram a rolar pelo seu rosto.

    - Rosa, Rosa - começou a gritar, dirigindo-se para a casa da vizinha - o João desapareceu!

    - Como desapareceu?

    - Desapareceu! Deixou um bilhete. Vê - respondeu, estendendo a Rosa o papel deixado pelo filho.

    Rosa leu e tentou disfarçar a preocupação:

    - Ó mulher, não te preocupes. De certeza que ele fez isto só para te afectar e está escondido por aí. Vamos encontrá-lo num instantinho...

    Mas até à noite, nem sinal do João...

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