quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

LOBO BOM E A CAPUCHINHO SEM COR – conto à desgarrada 2

A história que vos vou contar passou-se entre a cidade e o campo, um tempo que é o de hoje. Onde o que parece já não é e o que não é suposto pode bem ser.


O lobo bom vivia no campo.

A Capuchinho sem cor na cidade.


O encontro entre os dois não teve coincidências, nem foi agendado via facebook. È daquelas coisas do acaso, daquelas que acontecem quando lhe damos a devida importância. Quando decidimos fazer uma pausa. Viver novas experiências. Partir à aventura. Ir ao encontro das raízes, da essência, sem preconceitos ou ideias pré-concebidas.


Não me demoro mais, a história começa em 3,2,1...


Bia era daquelas miúdas destemidas, a líder do grupo a popular das populares. Linda de fazer inveja à Giselle ( quem é a Giselle? A famosa modelo brasileira). Do alto dos seus 1,70 m de altura, caminhava como uma modelo profissional e não deixava ninguém indiferente. Mas faltava-lhe algo, um sorriso luminoso. O seu sorriso era baço, assim como o seu olhar, era um olhar sem cor. O verão estava a chegar e os amigos faziam planos para umas férias bem passadas onde não podia faltar ingredientes hiper juvenis: praia, sol, noitadas, amigos, irreverência. Bia fazia parte dessas férias entre amigos mas mal ela sabia que os pais lhe tinham reservado um plano de viagem de férias bem diferente, com bilhete de ida e de volta, numa viagem (ao) interior.


No último dia de aulas, Bia combinou com as amigas encontrarem-se dois dias depois para ultimarem preparativos da viagem. Chegada a casa faliu com os pais e deu conta das suas intenções: com quem iria, onde ficariam, as reservas financeiras a levar, as compras que tinha de fazer...


Os pais ouviram com atenção, deixaram-na terminar e avançaram com a boa nova:


- Este ano vais ter uma experiência diferente, 100% natura, regressar às origens. Vais até ao norte, até Castro Laboreiro, a terra que deu nome a raça de cão e onde ainda se diz que o lobo uiva!


A boca de Bia não se abriu. Os olhos estavam cristalizados. Ficou indrédula, estupefacta e todos os adjetivos de admiração que possam encontrar para aqui.


A viagem iniciaria três dias depois, primeiro de comboio e depois de camioneta. O computador seria substituido por um diário moleskine e uma meia dúzia de canetas. A máquina fotográfica já tinha sido preparada pelo pai e a mãe tinha antecipado a preparação da mala com tudo ( e apenas) o que era necessário. Bia iria com um grupo de amantes da natureza e , quem sabe, outros "contemplados" como ela. A sua boca não se abriu, entrou em piloto automático, parecia um carro telecomandado. E o comando não estava na mão dela...


O dia da viagem chegou...


Paula Machado

Um comentário:

  1. O dia da viagem chegou e o desânimo de Bia aumentou. "Comboio? Por amor de Deus! Só mesmo os meus pais para terem uma ideia dessas... Estava bem era num avião low-cost a caminho de Barcelona... Mas não, estou neste comboio cheio de gente cinzenta". A rapariga tinha razão: os pais eram ex-hippies e estavam a ficar cansados da inércia e apatia da filha - "sempre em frente ao computador, sempre a ver televisão!", diziam-lhe. Isto para não falar das sextas e sábados à noite de bebedeiras que eles fingiam ignorar tentando convencer-se de que era só uma fase, mas que começavam a preocupá-los. Umas férias num albergue da juventude, bem longe de Lisboa, no Castro Laboreiro, pareceu-lhes uma boa ideia para tentar contornar a situação. O facto de ela ir sozinha, preocupava-os, claro, mas ela teria de viver as suas próprias aventuras e experiências.
    Bia detestou a viagem de comboio, apesar de a ter feito quase toda a dormir e de phones nos ouvidos. Nem por um momento olhou pela janela com olhos de ver e vontade de apreciar as paisagens. O autocarro foi ainda pior. Chegou mesmo a enjoar quando o percurso era feito de curvas e contra-curvas. Ainda por cima tinha bebido uma cerveja na estação de camionagem e agora o líquido pesava-lhe ora de um lado ora de outro no estômago vazio. Pensou em fugir. Em telefonar aos amigos e ir ter com eles a algum lado. Mas os pais tinham pensado nessa possibilidade e deram-lhe apenas dinheiro para as viagens e para comer alguma coisa. Um amigo que tinham em Melgaço estaria todos os dias com a jovem e seria ele que lhe daria dinheiro para o que ela precisasse. Bia imaginava que André seria bastante parecido com o pai: careca (saudoso da enorme cabeleira que tinha nos anos 70 depois de cumprir o serviço militar), a rondar os 50 anos, um eterno jovem que se teria refugiado no Minho para fugir às responsabilidades...

    Mas André, que a esperava, na paragem de autocarro para a levar de seguida ao albergue, era tudo menos isso. Era um naturista, é certo, mas essa era a única característica que tinha em comum com os seus pais. Pensando bem, Bia nem chegou a perguntar de onde se conheciam. André não teria ainda 30 anos e trabalhava no Parque Nacional Peneda-Gerês e era um apaixonado pelos lobos ibéricos. Não deixar que cheguem à extinção era a sua grande missão...

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